A peça inicia-se num porto imaginário, onde se encontram as duas barcas, a Barca do Inferno, cuja tripulação é o Diabo e o seu Companheiro, e a Barca da Glória, tendo como tripulação um Anjo na proa.
Apresentam-se a julgamento as seguintes personagens:
um Fidalgo, D. Anrique;
um Onzeneiro (homem que vivia de emprestar dinheiro a juros muito elevados, um agiota);
um Sapateiro de nome Joanantão, que parece ser abastado, talvez dono de oficina;
Joane, um Parvo, tolo;
um Frade cortesão, Frei Babriel, com a sua "dama" Florença;
Brísida Vaz, uma alcoviteira (ou proxeneta);
um Judeu usurário chamado Semifará;
um Corregedor e um Procurador, altos funcionários da Justiça;
um Enforcado;
quatro Cavaleiros que morreram a combater pela fé.
Cada personagem discute com o Diabo e com o Anjo para qual das barcas entrará. No final, só os Quatro Cavaleiros e o Parvo entram na Barca da Glória (embora este último permaneça toda a acção no cais, numa espécie de Purgatório), todos os outros rumam ao Inferno. O Parvo fica no cais, o que nos transmite a ideia de que era uma pessoa bastante simples e humilde, mas que havia pecado. O principal objectivo pelo qual o fica no cais é para animar a cena e ajudar o Anjo a julgar as restantes personagens, é como que uma 2ª voz de Gil Vicente.
As personagens desta obra são divididas em dois grupos: as personagens alegóricas e as personagens – tipo. No primeiro grupo inserem-se o Anjo e o Diabo, representando respectivamente o Bem e o Mal, o Céu e o Inferno. Ao longo de toda a obra estas personagens são como que os «juízes» do julgamento das almas, tendo em conta os seus pecados e vida terrena. No segundo grupo inserem-se todas as restantes personagens do Auto. Todos mantêm as suas características terrestres, o que as individualiza visual e linguísticamente, sendo quase sempre estas características sinal de corrupção. Cada personagem representa uma classe social, ou uma determinada profissão. À medida que estas personagens vão surgindo vemos que todas trazem elementos simbólicos, que representam a sua vida terrena e demonstram que não têm qualquer arrependimento dos seus pecados. Os elementos simbólicos de cada personagem são: Fidalgo: manto e pajem que transporta uma cadeira. Estes elementos simbolizam a opressão dos mais fracos, a tirania e a presunção. Onzeneiro: bolsão. Este elemento simboliza o apego ao dinheiro, a ambição e a ganância. Sapateiro: avental e moldes. Estes elementos simbolizam a exploração interesseira, da classe burguesa comercial. Parvo: representa simbolicamente, os menos afortunados de inteligência. Frade: Moça e espada. Estes elementos representam a vida mundana do Clero, e a dissolução dos seus costumes. Alcoviteira: moças e os cofres. Estes elementos representam a exploração interesseira dos outros, para seu próprio lucro. Judeu: bode. Este elemento simboliza a religião judaica. Corregedor e Procurador: processos, vara da Justiça e livros. Estes elementos simbolizam a magistratura. Quatro Cavaleiros: cruz de Cristo simboliza a fé dos cavaleiros pela religião católica. Surgem ao longo do auto três tipos de cómico: o de carácter, o de situação e o de linguagem. O cómico de carácter é aquele que é demonstrado pela personalidade da personagem, de que é exemplo o Parvo, que devido à sua pobreza de espírito não mede as suas palavras, não podendo ser responsabilizado pelos seus erros. O cómico de situação é o criado à volta de certa situação, de que é bom exemplo a cena do Fidalgo, em que este é gozado pelo Diabo, e o seu orgulho é pisado. Por fim, o cómico de linguagem é aquele que é proferido por certa personagem, de que são bons exemplos as falas do Diabo.
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